terça-feira, 27 de julho de 2010

Ruptura


Ele costumava me fazer rir. Na verdade era uma coisa que eu fazia constantemente quando estava ao seu lado.
Nós éramos bem diferentes um do outro e isso é o que nos fazia dar certo.
Ele era o garoto descolado, totalmente criança que fazia graça de praticamente tudo á sua volta, que olhava nos meus olhos de uma maneira tão infantil e animadora que me deixava tonta. Quando estávamos juntos era impossível não esquecer dos problemas, parecia que como por mágica eles desapareciam, viravam fumaça na minha mente ou se perdiam quando ele abria aquele sorriso encantador pra mim e dizia '' Hey minha pequena, esquece tudo e vem aqui. Eu já não cansei de te dizer sempre que tudo vai se resolver? Você sempre resolve tudo baixinha. "  e em seguida eu já estava rindo, porque ele tinha razão, eu resolvia, mas não porque eu era boa o bastante e sim porque ele me dava forças pra isso.
Eu sempre fui a garota responsável, a menina madura demais pra idade que tinha, a que tomava conta de todos e tentava resolver todos os problemas de alguma maneira humanamente capaz. Na maioria das vezes eu acabava com uma dor de cabeça enorme e um monte de gente chata no meu pé querendo que eu fosse fazer algum milagre em sua vida. Sempre fui assim e não poderia ser diferente ao lado do Felipe. Era muito difícil ele aparecer triste ou algo relacionado, mas eu sempre estava pronta pra ajudá-lo e lhe dar força, e além disso eu vivia tendo que controlar as atitudes infantis do meu namorado, que apesar de me fazerem rir , eram um tanto quanto irresponsáveis.
Nosso namoro era uma balança, cada um a mantinha em estado de equiíbrio.
Até que aconteceu. A balança quebrou e uma metade ficou faltando e ai, como que por feitiço, tudo ficou sem graça e sem cor.
Era só mais uma viagem de feriado. Costumávamos fazer isso sempre que possível, nós dois adorávamos o clima de praia e sol e Felipe finalmente tinha decidido me ensinar a surfar. Ele sempre dizia "Você é muito resposável e certinha meu amor, nunca vai conseguir fazer o que eu faço na prancha.", mas eu insisti tanto que ele resolveu tentar.
Estávamos felizes, conversando e escutando música. No CD player do carro a música do momento era  I Don't Want To Miss A Thing do Aerosmith e nós dois cantávamos que nem dois loucos e riamos sem ao menos saber porque, até que o inesperado aconteceu. O CD player mudou de música e era Roslyn do Bon Iver & St. Vincent, uma música que eu amava apesar de achar triste. Mas eu não tive tempo de curtir a minha música.
De repente tudo se tornou negro e eu já não sabia mais quem eu era ou onde estava, eu só sentia que estava sendo puxada para a inconsciência.
Só me lembro de começar a escutar as vozes ao fundo e de conseguir encontrar o jeito certo de abrir os olhos.
O quarto era brando demais, iluminado demais, calmo, mas meio frio e possuía um cheiro que me dava náuseas. Eu sabia perfeitamente onde estava. HOSPITAL.
Tentei me sentar, mas os tubos espalhados sobre meu corpo não permitiram. Mamãe estava rapidamente ao meu lado.
"Querida você está fraca, não tente se movimentar muito. Como se sente?"
Com muito esforço eu encontrei o caminho da minha fala.
" Tonta e enjoada. O que houve?"
" O carro onde você e o Felipe estavam foi atingido na curva por um caminhão. Você perdeu muito sangue filha, procure relaxar."
Relaxar? Claro.
" Onde está o Felipe?"
Minha mãe desviou o olhar e se fez silêncio. Não era necessário palavra alguma, eu não precisava de nada para entender o que havia se passado. Olhei pro teto sem nada ver de fato e esperei até que a minha visão ficasse turva pelas lágrimas. Um lado de minha balçança tinha se ido, metade mim ficara na estrada, perdida no meio do caminho.
Mamãe segurava firme a minha mão enquanto esperava que a onda de soluços e lágrimas se acalmassem mas quando ela percebeu que isso não ia acontecer, resolver dizer:
" O caminhão atingiu diretamente o lado onde o Felipe estava, ele não resistiu, morreu antes mesmo de chegar ao hospital."
Por que ela ainda estava falando? Eu não queria ouvir, não havia nada que ela dissesse que fosse melhorar, na verdade só ia piorar. Ele havia ido, havia me deixado e eu não sabia como ia ser dali para frente. Um abismo de mostrava diante de minhas vistas. Se ele fosse real talvez eu me jogasse dele.
" Filha, você tem que ser forte. Sabe que era isso que ele esperaria de você!"
Ela tinha razão, ele esperaria que eu fosse  forte. Mas eu sempre havia sido forte, será que dessa vez eu não tinha o direito de enfraquecer? Lembrei-me da letra de Roslyn, a útltima coisa que eu havia ouvido naquele carro "
Bones blood and teeth erode, with every crashing node" (Ossos, sangue e dentes desgastados a cada ligação rompida). Resumindo, era isso agora, ossos e sangue e uma ligação rompida. A minha ligação.
" Você precisa saber que o funeral será na quinta. O médico disse que você provavelmente terá alta até lá. Eu sei que você ia querer ir."
É claro que eu ia querer ir. Era meu namordo que ia ser enterrado!
Sequei minhas lágrimas no lençol da cama e olhei para minha mãe, ela parecia abatida.
"Mamãe pode me deixar um pouco? Eu preciso mesmo ficar sozinha e você parece cansada. Por que não vai pra casa, tome um banho, durma e depois se quiser, volte."
Ela me olhou um tanto cautelosa, mas entendeu minha necessidade.
" Tudo bem, eu preciso mesmo de um pouco de descanso. Eu volto á noite está bem?"
Me olhou mais uma vez e acrescentou.
"Você sabe que estou com você, sempre que precisar. Eu te amo filha."
Me deu um beijo na testa e se foi.
Assim que a porta se fechou em suas costas as lágrimas voltaram ao meu rosto. Não um jorro descontrolado como antes, elas simplesmente saiam, era natural.
Fechei os olhos  e deite-me novamente.
Quinta- feira.
Funeral.
Adeus.
Felipe.
Nunca gostei de funerais...como se alguém pudesse gostar.
Então enquando pensava na minha futura quinta-feira, deixei que o torpor tomasse conta e me vi de novo nos braços da inconsciência.

CONTINUA...