quinta-feira, 31 de março de 2011

Ela.


Ela caminha entre as lembranças rasgadas no chão. Ela pisa sobre tudo, mistura, destrói, mas elas magicamente se unem novamente e tomam seus devidos lugares.
Ela foge, corre, tropeça, cai, mas levanta novamente e sai correndo do passado, do presente e só quer um futuro. As lembranças guardadas em sua cabeça só servem como tormento e tortura durante os dias que seguem a sua vida. É como se tudo fosse fogo, como se tudo queimasse o que há dentro e em volta.
Lágrimas aonde vocês estão? Ela quer chorar, ela precisa chorar, mas as lágrimas se prendem nos olhos querendo tornar tudo cada vez mais amargo. Botar tudo para fora seria uma boa saída, mas tudo se agarra com tentáculos pegajosos e sufoca o grito de socorro.
Vontade de arrancar a saudade, de sufocar o medo, de matar a angústia e de decaptar todos os pensamentos.
Ver todos os seus pensamentos, fotografias do seu passado, lembranças da sua vida, todos eles decorando o chão da sala de estar fazem com que de certa forma ela sinta dor, mas ao mesmo tempo fazem com que ela sinta uma vontade incontrolável de voltar no tempo, reviver tudo de novo, os mesmos sorrisos, os mesmos abraços, os mesmos beijos. Também a fazem querer fazer modificações, colocar flores onde não haviam, cor no que era preto e branco, ir aonde ela não foi, conhecer um mundo que ela não se permitiu conhecer, percorrer caminhos desconhecidos, sentir gostos doces com sabor de fruta madura e de boca molhada. Talvez tanta vontade seja o motivo de tanta dor.
Ela queria um final feliz, por mais que não fosse im final, ela queria que tivesse sido feliz, ou que pelo menos tivesse tido algum sentido, explicação, algo que preenchesse o espaço dessa interrogação gigante que até cega. Espaço grande e espaço vazio, uma incógnita que sopra furacões dentro da mente dela e que a faz rolar na cama de noite, de dia, de madrugada e até mesmo nos sonhos.
A garota perdeu a fé. Não a fé em Deus, porque ela sabe que se perder isso um dia, não lhe restará mais nada além de um mundo devastado e uma visão apocalíptica. Não, ela simplismente perdeu a fé em palavras e a velha história de ações dizem mais que palavras já não faz mais tanto sentido no contexto da vida conturbada da menina. Ela ouviu coisas e viu mais ainda e no entando nada nunca se encaixou e quando ela finalmente acreditou que o caminho era aquele, a estrada de tijolos amarelos sumiu como que por pó e ela se viu num redemoinho de confusão. Confusão essa que agora ela mesma causa e talvez ela mesma fosse o furacão.
Saber que ela é dona do próprio destino ela sabe, mas quem disse que facilita? Na verdade dificulta, ela se sente impotente e fica sempre achando que se omitiu. E lá vai ela de novo vestir a sua roupa de monstro dos próprios pesadelos e segue seu caminho de assombro pra atormentar a própria vida.
Coitada dela. Coitada da garota. Será que um dia ela vai saber escolher? Será que um dia ela vai saber quem é ou pra que veio pra esse mundo?
Bom, ela põe o melhor vestido que tem, aquele com flores coloridas e decide ir olhar o pôr do sol, porque ela sabe que ele sim é de verdade e sabe também que essas confusões logo logo irão tirar férias e depois de tudo ela vai rir por ter sido tão idiota. A menina vai crescer, aliás, ela já cresceu!
Quem é ela?
Ela sou eu.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Partida.



Já fazem 6 meses desde o funeral do Felipe, desde o dia em que eu sentei debaixo daquela árvore e do dia mais surreal da minha vida.
Quando escutei a voz do Felipe me chamando, de início pensei que estava ficando louca, pois eu sabia que a falta que eu sentia dele era tamanha que seria muito capaz de me causar insanidade, mas quanto mais eu escutava e pensava nele, mais a voz ia ficando clara e de repente eu consegui visualizar.  Era tão claro, tão iluminado, tão lindo e ao mesmo tempo tão familiar. Ele estava parado diante de mim, com os olhos desesperados e os braços abertos. Fiquei segundos olhando pra visão etérea do meu namorado, até que não me aguentei e sai correndo em sua direção para abraçá-lo, mas só o que consegui foi sentir algo gelado e perceber que eu tinha atrevessado direto por ele. Lembro dos olhares tristes que trocamos quando isso ocorreu. Mas para mim não importava, ele estava ali comigo, eu podia ouvir a sua voz e eu podia sentir seu cheiro perfumando todo o ambiente.
Conversamos por horas naquele dia, ele me contou como foi depois do acidente, como foi quando ele notou que tinha morrido vendo seu corpo preso no carro. Também me disse que havia estado comigo desde então, esperando o momento em que enfim eu pudesse ouvi-lo.
Agora que já haviam se passado seis meses, a visão do meu namorado fantasma deitado na minha cama com meus bichinhos de pelúcia já não era mais algo alarmante pra mim.
Felipe me fazia compania todas as tardes depois que eu chegava do colégio e perguntava sobre todo o meu dia. Era quase uma rotina pra mim, mas eu não me importava. Eu estava com ele, mesmo sem toca-lo, tê-lo ao meu lado e poder ver o seu lindo sorriso fazia com que eu me sentisse viva. Quando ele não estava, era como se um buraco se abrisse em mim e eu não pudesse mais respirar e a lembraça de que ele não estava vivo me assolava.
Minhas amigas viviam me dizendo que já era hora de eu deixar minha vida seguir em frente, talvez me apaixonar de novo. Claro que elas não sabiam que eu ainda tinha meu namorado/fantasma comigo e que não precisava de nada, não queria mais nada.
Apesar de toda essa segurança, um dia tivemos uma conversa que me atormentou durante dias. Estávamos sentados em um lugar escondido, no parque da cidade, conversando e a minha curiosidade falou mais alto:
" Amor, eu sei que todas as pessoas que morrem seguem um caminho, atravessam alguma ponte, vão para luz, eu não sei, mas você continua aqui. Não me entenda mal, mas por quê você não partiu de vez? Continua aqui comigo?"
" Bom Duda, eu tive essa opção, eu vi mãos e ouvi uma voz me chamando, mas eu precisava saber que você ia ficar bem, me garantir que tudo ia dar certo pra você e que eu poderia ir em paz."
Parei e pensei um pouco, refletindo.
"Bom, mas você já sabe que eu estou bem! Quero dizer, você sabe que eu não morri e me recuperei, e no entando você ainda está aqui."
Ele me olhou com um olhar de criança marota e disse:
" É eu sei, eu já deveria ter ido, meu lugar realmente não é aqui e eu sei bem disso e também já fui avisado!"
"Como assim avisado?"
"Bom, os poderes lá de cima (ele riu) me disseram que meu prazo de permanencia uma hora se esgotará e que se eu não me decidir por partir, bom eu vou ficar aqui pra sempre, vagando. Mas eu não me importo, eu estou com você."
Quando ouvi essas palavras me desesperei, tentei argumentar com ele, mas mesmo depois de morto, o Felipe continuava um teimosoe não me permitiu dizer nada.
Durmi mal várias noites, pensadno no que ele havia me dito, que ficaria vagando pela terra, porquê eu sabia que um dia eu partiria dessa vida.
Após dias e dias de tribulações e de pesadelos recorrentes eu decidi colocar um fim naquilo. Era uma tarde de segunda quando eu segui rumo á nossa praia favorita, onde nós demos nosso primeiro beijo. Assim que cheguei na praia, vi que ela estava vazia e fui em direção da areia e me sentei, esperando até que ele finalmente aparecesse. Em menos de 5 minutos eu senti seu cheiro e isso fez com que lágrimas rolassem de meus olhos, mas mesmo assim procurei a força que tinha resgatado dentro de mim nesses últimos dias.
"Amor, por que você está chorando? Duda olha pra mim!"
Respirei fundo e disse as palavras mais dolorosas da minha vida:
" Felipe, você precisa partir."
Nesse exato momento uma ventania começou na praia.
" Você não me quer mais? Você não me ama mais? Por que você quer que eu parta?!"
"Não meu amor, é exatamente o contrário. Eu te amo mais do que você pode imaginar e é por te amar tanto que estou te dizendo pra partir! Isso está sendo a coisa mais difícil que eu já fiz!"
Cada vez eu chorava mais.
"Eu não entendo, se me ama tanto, por quê quer que eu vá embora?"
Procurei forças pra dizer o que era necesário.
"Porque eu amo mais a você do que à minha necessidade de tê-lo, porque eu te amo mais do que a mim mesma. Eu preciso que você parta, porquê imaginar você vagando pela terra como uma alma aflita faz com que eu me sinta morta em vida. Eu quero que você siga o seu caminho de luz, porque pra mim é isso que você é, LUZ! Você foi a luz que iluminou a minha vida, você foi quem me ensinou a ser quem eu sou, que me fez me sentir viva todo esse tempo. Você foi um presente que Deus me deu e que agora Ele está requisitando de volta e eu preciso que você volte pra Ele. Eu te amo demais e meu amor por você é tamanho que eu abro mão de tê-lo comigo!"
As minhas palavras já não saiam com facilidade então eu deixei que o choro me invadisse. Quando finalmente olhei pra ele vi que ao mesmo tempo que ele estava triste, ele mostrava uma serenidade e um amor que eu jamais tinha visto. Enfim ele disse:
" Eu não havia partido porquê precisava ter certeza que você ficaria bem e que não precisaria mais de mim. Agora eu vejo que esse dia chegou, mas eu só posso partir definitivamente se você me der uma coisa em troca."
Me senti confusa, mas me forcei a dizer.
" O que?"
"Eu quero a sua dor. Eu disse que partiria só quando soubesse que ficaria bem, para isso eu quero levar a sua dor comigo. Quero ter a certeza que você seguirá em frente com a sua vida, que você não irá se prender às lembranças que tivemos e que se deixará viver. Eduarada, meu amor, você vai ser sempre o único amor da minha vida, mas eu fui apenas um dos amores da sua. Não quero que me esqueça, quero somente que me prometa que vai seguir em frente e ser feliz, porque é disso que eu preciso pra ser feliz e deixar você sem me sentir aflito ou como se tivesse deixado uma parte incompleta de mim."
Naquele momento eu me senti a pessoa mais amada do mundo e soube que jamais perderia aquele amor, que ele seria sempre meu, que ele era tatuagem no meu coração, gravada com as nossas almas. Não sei como consegui, mas disse.
"Eu prometo!"
Naquele momento,alguém no céu compreendeu o tamanho do nosso amor e nos permitiu um último momento verdadeiramente juntos.
Felipe seguiu andando até mim e finalmente conseguiu me envolver em seus braços e me deu um beijo como jamais ele havia me dado antes, algo inesplicável, definitivamente divino. Aquela praia que havia sido cenário do nosso primeiro beijo era agora o cenário do último.
Quando ele se afastou, sorriu pra mim, uma última vez, e então a praia inteira se iluminou, com uma luz tão linda que parecia ouro líquido e em segundos não havia mais ninguém. A última coisa que eu pude ouvir foi "Estarei sempre com você." .
Hoje eu estou aqui, sentada nessa mesma praia. Não me sinto triste, não me sinto sozinha, sinto me simplismente abençoada por saber das opotunidades que tive e por saber que tive uma pessoa tão marvilhosa ao meu lado e que meu amor era mais forte do que um dia pude imaginar. Me sinto orgulhosa. Sei que não vou me apaixonar tão cedo, porquê um amor assim deixa marcas, mas também sei que isso irá acontecer um dia. Não será forte nem tão complexo quanto o meu com o Felipe, mas nenhum amor é igual ao outro de qualquer maneira e eu sei que quando essa vida terminar eu vou encontrá-lo me esperando do outro lado.
Aprendi que almas gêmeas nem sempre vivem uma vida inteira juntas.
Levanto-me, limpo a areia do meu jeans e sigo o caminho de volta e sinto aquele perfume que sempre vai ser o melhor pra mim.