terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Presença.


Me vejo sentada em frente ao espelho. Minha mãe escova meus cabelos, ela ainda quer que eu evite muitos movimentos por causa do acidente e graças á isso ultimamente eu não tenho feito quase nada. Estou vestida de preto, da cabeça aos pés. Sempre me perguntei porque essa havia sido sempre a cor escolhida para funerais. Hoje eu sei a resposta. Porque é assim que o coração de quem perde alguém querido fica, completamente negro.
Felipe sempre odiou preto, sempre dizia " Você parece mais velha com essa cor, porque não põe algo azul ou quem sabe verde?". Hoje, mais do que nunca, eu também odeio preto.
Mamãe prende meu cabelo num rabo de cavalo alto e bem feito. Sempre achei meus cabelos lindos, mas hoje não me importo, nem ao menos os vejo.
Antes de partir para o funeral eu peço para que ela me deixe sozinha algum tempo. Hesitante ela sai do quarto com o seu olhar triste que agora é quase uma moldura em seu rosto. Mais uma coisa que eu deixei de notar ou talvez de me importar. Egoísmo? Não, somente não me sinto mais presente nesse mundo, é como se a minha vida tivesse tido um fim no dia daquele maldito acidente!

Acidente...
Será mesmo que se pode chamar de acidente um motorista bêbado, viciado em metanfetamina que estava tão completamente doido que não conseguia ver a pista em sua frente, invadio a contramão e levou meu namorado de mim graças ao seu vício infeliz? Não, eu não chamo assim. Eu chamo de assassinato, de maldade, de doença, do que eu for capaz de pensar, menos acidente.
Deito em minha cama e me deixo chorar um pouco. Olho para os retratos, nossas fotos juntos espalhadas pelo meu quarto. Lembranças de um tempo que agora parece tão distante.
Enfim, eu sei que está na hora de ir. Pego minhas muletas, que me acompanham para todo lugar nesses útimos dias, e sigo rumo a porta.
Não digo nada durante o percurso. Simplismente olho através da janela do carro. Agora tudo me lembra ele. O campo onde costumávamos ler um para o outro, a quadra onde ele tentava me ensinar a jogar futebol e lá longe eu avistei a árvore com as inicias de nosso nome que ele fez questão de gravar, pois dizia que um dia iria querer mostrar aos nossos filhos. Foram tantos os planos interrompidos.
Finalmente chegamos. Mal saio do carro e já percebo todos os olhos em mim. Não preciso ter poderes especias para saber quais são os pensamentos de todos: "Nossa ela deve estar arrasada", "Coitada, perder um namorado assim tão jovem" "Eles deviam ter tantos planos". A minha vontade é de sair correndo desse lugar, mas eu sei como Felipe se sentiria se eu o fizesse, então eu tento me mater forte em meio a tudo isso.
Recebo um abraço caloroso de minha sogra. Ela sempre foi uma das pessoas mais amáveis que conheci e mesmo com tudo o que estava passando ela ainda foi boa o bastante para estar todo o tempo possivel comigo no hospital. Assim que sai de lá, juntei as forças que tinha e ajudei em tudo que pude para o funeral e ela é grata a mim por isso e eu sou grata a ela por tudo que  já fez por mim.
Enfim a cerimônia começa.
Eu sempre soube que o Felipe não iria querer uma cerimônia formal e chata. Na verdade ele tinha me dito uma vez, mas não deixei que ele prolongasse com o assunto porque me desesperou a simples idéia de perdê-lo. Sinto uma pontada no coração quando percebo o que de fato aconteceu.
Apesar de tudo me recordo da música que ele disse que gostaria que tocasse no dia. Minha sogra hesitou um pouco quando lhe disse sobre a idéia, mas enfim aceitou, sabendo que era isso o ele queria e que era a última coisa que podeia fazer por ele.
Então começa a tocar ao fundo, levemente, Patience do Gun's. A gente ouvia muito essa música durante nossos fim de semanas na praia.
E de repente era como se ele estivesse ali comigo, senti seu cheiro, seu abraço, seu calor me envolvendo, seus lábios nos meus.
E foi aí que eu deixei de notar o que acontecia a minha volta. Deixei que a música me levasse para junto dele, do jeito que sempre devíamos ter ficado, JUNTOS.
Volteir para a realidade assim que foi decidida que já era a hora de seguir para o cemitério.
Todos seguimos juntos, todos marchando como soldados que haviam perdido uma guerra. Assim que vi a terra cobrindo o caixão e tive consciência de que ali estava o corpo daquele que tanto amava, que jamais o veria de novo, veria seus cabelos loiros, seu olhar doce, seu bronzeado. Que todo o nosso futuro estava destruído, que tudo foi perdido, não me aguentei e sai correndo. Claro que ninguém tentou me segurar, eles sabiam que eu precisava disso.
E aqui estou eu, sentada embaixo de uma árvore. Choro tudo o que posso. Sinto minha alma sangrar, meu peito se dilacerar. Quero morrer, preciso morrer, sumir, me esconder. Só quero esquecer!
Enquanto choro, sinto algo familiar, um cheiro familiare é então que eu escuto...
" Eduarda? Eduarda diga que pode me ouvir!!"

CONTINUA...








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